terça-feira

5º Dia



13 / Setembro / 2005
A trovoada povoou a noite. A chuva acariciou a areia e saímos ansiosos em direcção a Erfoud. Encontramo-nos com Idriss, afinamos a melhor língua para comunicar e acertamos o preço para que este nos guie pelo deserto. Sugere-nos naturalmente que viajemos os três num carro de dois lugares. Questionamo-lo acerca das autoridades… ele sorri e responde que a polícia é ele. Sem saber ao que vamos aceitamos a proposta e encaixotamo-nos na viatura. O calor aperta e Idriss admite que o meu carro é um qualquer 4X4 sob a nossa apreensão ao vermos a pseudo-estrada de terra batida, areia, e perigos vários. Ele tranquiliza-nos contando que apenas uma vez lhe aconteceu ficar com o motor de um carro todo no chão, brincando com o nosso pânico. O caminho em direcção às dunas de Merzouga estende-se em vários quilómetros de pista. Não há estrada, há apenas o sentido de orientação de Idriss.
Atravessamos primeiro o deserto negro, uma extensão considerável de areia escura de origem vulcânica. Idriss mostra-nos a grande quantidade de fósseis que por aqui existem em camadas de mármore que habilidosamente servem de matéria-prima para um sem fim de aplicações, provando que o mar já esteve ali. O cheiro da rosa do deserto... O deserto nasce no nosso olhar. A cor alaranjada da areia fina surge a cada quilómetro e anestesiados de emoção deixamos vaguear o olhar em interjeições de espanto. O almoço é tomado no Albergue Tombuctu, já em pleno deserto. Baba, um dos empregados, brinda-nos com o que sabe dizer em português… “bacalau, sardinas assadas, atum, gajas boas, paletes de gajas, resmas”. Desconhece o significado das expressões e confessa-nos que quem o ensinou foram os mecânicos da piloto Elizabete Jacinto que, hospedada no albergue, treinava para o Dakar. Conversamos em todas as línguas que sabemos e não sabemos, aprendemos e ensinamos. Precisamos de comprar uns turbantes para enfrentar o vento do deserto e sob esse pretexto somos conduzidos a mais uma mostra de tapetes onde nos propõem a troca de medicamentos para a realização do negócio. Regada com muito chá de menta, uma hora de intensa negociação não conduziu a qualquer acordo e seguimos caminho.
O sol começa a esconder-se nas dunas e os camelos esperam-nos para 2 longas e dolorosas horas de viagem até um acampamento berbere em pleno deserto onde passaremos a noite. Estamos com sorte… não há vento! As gargalhadas sobrepõem-se às muitas dores que aquele meio de transporte provoca. A lua, um guia que conduz a pé os animais e que apenas nos dirige uns poucos “Ça va?” e alguns sorrisos, o recorte das dunas, a dificuldade em subir e descer algumas delas… e mortos de cansaço e excitação chegamos ao acampamento onde Mohammed nos espera. Mohammed sabe algumas palavras em espanhol, algumas palavras em francês e tem um grande sorriso. É assim que comunicamos. Fascina-nos com a sua habilidade para tocar tambor e presenteia-nos com um verdadeiro espectáculo de percussão. Perguntamos-lhe como aprendeu a tocar. Responde-nos que não sabe… responde que sempre tocou. Mohammed é deliciosamente simples. Conta-nos que trabalha ali, recebendo os turistas. Pergunta-nos quantos irmãos temos e admira-se com a resposta que damos. Um irmão? Como? Ele tem sete irmãos e não entende como se pode ter apenas um… A família dele vive na duna mais distante. Quando o questionamos acerca do tempo que demora a chegar lá mostra-se intrigado com a pergunta. Não sabe quanto tempo se demora… isso não é importante, quando quer ir, vai. A maior distância que Mohammed percorreu foi de 20 quilómetros até à vila mais próxima. Nada conhece além do deserto. Não tem qualquer noção de tempo. E sorri muito. Pergunto-lhe se há serpentes e escorpiões por ali… responde que sim, que ele já foi picado 3 vezes por escorpiões. Pergunto-lhe o que fazem as pessoas do deserto quando ficam doentes… responde-me que não fazem nada, que esperam que passe. Espanto-me e sorrio muito quando Mohammed nos mostra o que para ele parece mais importante. Num murmúrio sussurra: “Escutem, escutem o silêncio…”. O cansaço acumula-se. A tenda espera por nós. Pergunto onde Mohamemed vai dormir. Ele responde que ali mesmo. Adormecemos todos ao relento, numa cama improvisada, “o melhor sítio para ver as estrelas quando a lua desaparecer por detrás daquela duna” como nos segreda Mohammed.

1 comentário:

Paulo Gavino disse...

Não consigo parar de ler...è maravilhoso o que fazes com as palavras... pintas a minha imaginação com cada minuto da tua aventura.
TENHO DE CONTINUAR A LER