sábado

2º Dia




10 / Setembro / 2005
Ferros arrumados, banho tomado e estômago reconfortado. Prontos para continuar. Tarifa surgiu, sem demora, com o mar ao fundo e com uma panóplia imensa de ofertas de tudo e mais alguma coisa que se relacione com o surf.
A compra dos bilhetes do barco foi confusa e rápida, numa comunicação feita de espanhol, espanhol falado por dois portugueses que não sabem falar espanhol, inglês e inglês falado por espanhóis…, facto explicado pela inércia inerente ao início da estruturação do pensamento numa língua que não a habitual. Um nervoso miúdo, miudinho colava-se à ânsia de partir. Corriam pelas nossas cabeças interrogações invisíveis de como iria ser. E estava quase a ser! O tempo tomou formas redondas e quando embarcámos eram 13.00h em Espanha e 11.00h em Marrocos. Depois do carimbo no passaporte restava-nos apreciar o trajecto. A miscelânea de pessoas tornava o ambiente discrepante. As peles escuras contrastavam com os cabelos muitos louros e as peles muito brancas das hospedeiras de bordo. Feições diversas amontoavam malas e bagagens transportadas de muitas partes do mundo. O destino comum rimava com a troca de olhares e de sorrisos.
Alcançamos Tanger em alguns minutos. E a aventura começou… O porto de Tanger é a mais perfeita definição de entropia. Aprendemos poucos minutos depois da chegada que, por razão alguma, devemos deixar os passaportes nas mãos de alguém que não aparente ser polícia. Pelo que viemos a perceber mais tarde precisamos de obter uma autorização para podermos conduzir uma viatura automóvel em Marrocos. Ao fim de quase uma hora de explicações em todas as línguas que conseguimos articular e entre os muitos pedidos de euros obtivemos a tal “folha verde”.
E agora…? Estava para breve o espectáculo da anarquia da condução nas estradas de Marrocos. Atravessar uma estrada pode ser considerada uma autêntica proeza já que nenhum condutor pára nas passadeiras. As buzinas constantes dos “petit táxi” que serpenteiam pelo emaranhado de carros, carroças e pessoas misturam-se com fragmentos de conversas em árabe. Com o mar ao lado, as avenidas largas, algo ocidentalizadas, explodem de cor para o interior da cidade velha e de recantos por descobrir com a novidade a desenhar-se em cada sombra. Atrapalham-nos as constantes abordagens das crianças na ânsia de alcançar uma moeda com a venda de um qualquer bem, embaça-nos a fome nos olhos que saboreiam ao longe um qualquer resto deixado por quem se sente já saciado… sentimo-nos os menos pobres no meio de quem tudo precisa e a excitação da descoberta esbate-se um pouco com a urgência de poder ajudar.
Perdemo-nos alegremente no labirinto de ruelas que formam a parte antiga da cidade, a medina. Esbarramos com um universo de cores e de cheiros e surpreendemo-nos com o facto de tudo poder ser motivo de negócio, até pintainhos multicores! O brilho dos bules, a beleza das construções, a mescla de cores, a limonada vendida ao copo, o cheiro do pão… Começamos a perceber que o preço fixo é um conceito que não faz parte de nenhum cérebro marroquino e que o gene do “saber regatear” não existe no nosso património genético. A arte de saber fazer negócio com um sorriso começa cedo entre os marroquinos… dois miúdos perseguem-nos alegremente tentando vender um tambor e umas pulseiras. A cantilena entoada “ dois euró”, “dois euró”, “muito obrigado”, “2 euró” repetida à exaustão leva-nos a comprar algo de que não precisamos. Mas o seu contentamento e os sorrisos sabem-nos bem.
O jantar é degustado no “le Saveur”, na presença de portugueses residentes temporariamente na cidade, o meu primo e uns colegas que foram destacados para trabalhar em Marrocos por algumas semanas. Bem regado com um saboroso sumo de figo, uvas e mel, a ementa é exclusivamente formada por pratos de peixe de óptima qualidade e de um picante digno de qualquer homem de barba rija!
A agitação nocturna de Tanger é notável… Sinto-me alvo de muitos e muitos olhares. Não sei a que se devem, tornam-se desconfortáveis. Rejeito atribui-los a uma beleza natural. Há marroquinas muito bonitas em Tanger! Talvez os cabelos compridos e destapados? As roupas ocidentais ainda que pouco curtas e provocantes? Ficarei na dúvida, olhada com atenção pelo povo marroquino, até ao final da viagem…

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